14 de junho + "Os anjos têm uma visão melhor da discreta diferença entre o certo e o errado" +

Amo minha cidade. Amo desde sempre e sei que vai ser assim pra sempre. Dizem que ela é meio cinza, mas eu discordo. Tem coisas em mim que são a cara de São Paulo. Tem coisas minhas espalhadas por aí, em lugares e lembranças. Tem os parques da infância e os lugares em que morei. Tem as ruas e avenidas intermináveis por onde já me perdi e outras tantas onde já me encontrei. E claro, tem meus amigos, pessoas que tornam a vida bem menos complicada. Nem todos são daqui ou estão aqui - infelizmente. Entre eles, tem uma pessoa de quem eu gostaria de falar, em especial.

Em uma de nossas primeiras conversas - quando ainda éramos ilustres desconhecidas uma para a outra - movida por uma certa confiança, ela descreveu em detalhes uma história delicadíssima de sua vida. Movida por uma liberdade que eu não sei se já tinha, analisei, opinei, meti o bedelho e coloquei o dedo na ferida dela. De lá pra cá as confissões não pararam mais.

Rapidamente e com uma sintonia indescritível, descobrimos afinidades e conquistamos intimidade suficiente, ao ponto de conseguirmos conversar quase que por telepatia, como essa semana, por exemplo, quando eu escrevi míseras 3 linhas desconexas e ela traduziu com perfeição.

O fato é que desde que a amizade começou, de algum modo eu sabia... seríamos grandes amigas. E sinto que ela também sentiu. Não é que ela me entende. Ela compreende. Não é que ela escuta o que eu digo. Ela ouve o meu silêncio. Se for pra se retirar, ela sai. Se for pra ficar, mesmo que calada, ela fica.

Lá na janela dela bate um sol que as vezes falta aqui, na minha querida cidade cinza. Quando ela sai do trabalho, ela pode optar entre andar na calçada ou caminhar pela areia. Ela pode optar em ir pra um barzinho ou pra um quiosque beber água de coco. Quando ela está perdida, dá logo um jeito de se encontrar. Quando ela está triste, escreve coisas maravilhosas, mas quando está feliz, ela se supera. Não sei qual de nós duas escreve melhor (somos fãs assumidas uma da outra), mas isso importa muito pouco agora, já que descobrimos que seremos parceiras na escrita.

Quando ela abre um e-mail meu - quando estou meio sem sal - ela poderia ser blasé, mas é absolutamente incrível e sempre tem algo maravilhoso a dizer. E quando eu faço umas gracinhas e 'reclamo' dos vacilos dos adolescentes engravatadinhos de 35 anos, ela me mata de inveja ao dizer que os adolescentes de 35 de lá, apesar dos vacilos idênticos, pelo menos, são mais gostosos e bronzeados que os daqui.

Eu amo minha cidade, mas as vezes dá uma vontade enorme de correr pra lá... ouvir o barulho do mar, pegar uma praia, caminhar no calçadão, desacelerar um pouquinho e dizer pessoalmente o quanto ela é importante pra mim e o "quanto nossas trocas me fazem bem". Dizer o quanto ela é adorável, especialmente quando diz coisas como "(...) espero até você poder dizer".

Ela mora no Rio de Janeiro. Eu moro em São Paulo. Dizem que tem uns 420 km entre nós. Discordo totalmente.

Fê, amiga: esse é pra você.

(*) No título, a frase é de "Round Here", do Counting Crows, banda que nós duas adoramos e que embalou e inspirou o texto todo.