30 de setembro + Dolls +


Primeiro, a descoberta, seguida do doce entendimento, acompanhados pela criação mútua, o natural desenvolvimento da amizade e a liberdade para ser si mesmo, estando em outro

Ou seria a leveza da liberdade, depois o mergulho confidencial na amizade, a criação mútua de novas possibilidades, o entendimento que respeita e enfim, a despretensiosa descoberta a dois?

Qual seria a ordem correta dos fatores?
Quais os fatores corretos para me colocar em ordem?

29 de setembro + Lilás, Rosa e Violeta +


"Algumas vezes o esperado simplesmente perde importância
comparado ao inesperado"

Meredith Grey
em Grey's Anatomy

27 de setembro + "Persistem sob a pele" +

"Os dedos com que me tocou
persistem sob a pele,
onde a memória os move.

Tacteiam, impolutos.
Tantas vezes o suor os traz consigo da memória,
que não tenho na pele poro através do qual
eles não procurem sair quando transpiro.
A pele é o espelho da memória."

Luís Miguel Nava

23 de setembro + Deslizando +

"Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tento tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento."

Hilda Hilst
"Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate

Não é impossível
Eu não sou difícil de ler

Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte

Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta bandeira de mim

Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular


Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara

O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo

Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber

Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular"


Infinito Particular
Marisa Monte

01 de setembro + Desdoçura +

Saí da exposição com uma constatação pesando em mim. Notei como solto e absorvo, como colido e escapo, e por fim, como lido com rompimentos. Todos eles. Lido de forma lenta, como se eu precisasse de tempos particulares para isso.

Minutos com mais de 60 segundos. Dias com bem menos de 24 horas. Tempos da Camila.

Talvez isso aconteça pela dificuldade que tenho em mergulhar em novas realidades. Talvez seja por isso que eu descole lentamente os pedaços de quem está partindo e mesmo quando sou eu quem procura a separação, o desenlace é sofrido. Os pedaços custam a desencaixar de mim.

Desde que saí da exposição tem um choro parado entre minha garganta e meus olhos. Não entra nem escoa. Não desce. Não lava nem alivia. Não derrama. Deve ser reflexo da coisa toda errada que andou remexendo minhas falidas gavetas intocáveis. Intocáveis.... Mentira!! Claro que são totalmente tocáveis! São felpudas, macias e acolhedoras!! Eu adoro sair por aí dizendo que sou uma fortaleza, mas minhas gavetas são facilmente reviráveis e as lembranças... poços e poças.

E ao deparar com meus avessos, encontro os restos do que meus rompimentos causaram em mim. Estão todos ali. Imperfeitos. Cortes e cicatrizes. Igualmente parados naquele ponto intraduzível da percepção.

Romper qualquer tipo de laço carrega em si uma dose de "desdoçura" tão grande que torna amargo e "inabsorvível" os tais "nunca deixarei de amar você", o "jamais morrerá" ou o "se estenderá em mim", dizeres, aliás, que compõem a carta recebida pela Sophie.

Romper é desistir do outro. E não há jeito "certo" de fazer isso. Essa desistência é a forma mais rápida que certas pessoas (eu, inclusive) encontram pra lidar com seus sinais internos, com coisas que não entendem em si mesmas. E saimos por aí rompendo o - muitas vezes injustificável - não mais sentir.

Diante de uma situação de término na qual sou deixada e não mais querida por aquele coração de quem eu era devota, minha sensação é algo como se estivesse sem casa, sem habitat, sem animais da mesma espécie, sem bando, sem matilha.

Como se eu esquecesse que posso ser porto, casa, amparo, braços, colo e abrigo e acreditasse nos poucos talentos que aquela desolação me permite exalar e exibir, enquanto fico ali, em luto.

Sinto como se as caixas fossem enormes e eu, pequena. Como se meu grito fosse infantil e como se minha porção mulher tivesse agora algo de frígida, algo de vidro arranhado. Sinto tremores e descompassos. Sinto qualquer coisa do tipo pós-furação. Casa "inarrumável"... restando apenas mudar-se dali, portanto...

+ Prenez Soin de Vous +

"Recebi uma carta de rompimento.
E não soube respondê-la.
Era como se ela não me fosse destinada.
Ela terminava com as seguintes palavras: “Cuide de você”.
Levei essa recomendação ao pé da letra.
Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão,
para interpretar a carta do ponto de vista profissional.
Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la.
Entendê-la em meu lugar. Responder por mim.
Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.
Uma maneira de cuidar de mim."

Sophie Calle



"Sophie

Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último e-mail. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito.

Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a “quarta”. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as “outras”, não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas.

Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e “generoso”, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a escrita seria um remédio, que meu “desassossego” se dissolveria nela para encontrar você.

Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as “outras”. E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar.

Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.

Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.

Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único.

Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.

Cuide de você.

X"