07 de novembro + Nas mãos delas +

A percebi num canto, com vergonha de falar comigo.

- "Diz Marília, o que foi?"

Aflita como ela só, se retorceu e seu olhar falou comigo. Doce respiração. Ofegante e preciptada. Desesperadora.

Entendi e foi assim que ponderei, calculei e enfim, decidi: Darei férias à Marília.

- "Vá Marília, vá. Seu lugar em minha vida é só seu e quando me toma de assalto, imergo nos seus gostos, sonhos e vontades. Deixo que guie minha vida como gosta, bem daquele seu jeito, silencioso e aflito, suspirando, velando seus mortos com a mesma intensidade de quando o luto era recente. E você me suga até o talo, Marília... Vá, está exausta... eu também."

E de longe a outra me olha com sede, com vontade, sorriso malicioso, louca pra se lançar sobre mim e tomar meu corpo inteiro. Julia... Meu Deus! Julia!

Impulsiva, elétrica, falante... poucas palavras, muita ação. Julia não assusta só a mim, mas aos corações que ela vai deixando pelo caminho...

Ela sabe exatamente o que fazer e faz... faz descaradamente... faz e gosta. Faz porque gosta e morre de rir depois do último suspiro. Julia não cansa. Não descansa.

Meus eus conflitantes e a transição me deixando louca! As duas debatendo e disputando um lugar em minha mente...

Marília serena e sóbria, quase desbotada, caindo pelas tabelas, implorando por férias. Julia ativa, saltitante, corada, rindo como só ela, pronta para entrar em ação.

Fico nas mãos delas. Dou minhas mãos para elas. Deixo que se misturem, as duas, inteiras. Deixo que Julia viva e Marília transforme o fato em texto. Deixo que Marília fique quanto tempo quiser, mas admito, é Julia que me dá os melhores dias.

- "Julia, vá com calma. Houve invernos por aqui. Confesso que quando meu eu está tomado por você eu fico mais desperta, mais disposta e intensa, mas calma... Ah, Julia... sei que quando Marília fechar as malas e cruzar a porta você vai mandar tudo as favas e rir de todo esse meu medo e ponderação... e eu vou gostar. Ah, Julia! Amo Marília até o último fio, mas essa sua vivacidade traz a tona o meu lado mais mulher, mais vivo, mais ativo e adoro ficar assim Julia, adoro."

+ De mudança +

Marília faz uma lista de recomendações e entrega o papel para Julia, que olha com respeito, mas não liga. A primeira me olha receosa e reitero: "Vá tranquila querida, vá."

Talvez fosse melhor se Julia ouvisse os conselhos de Marília, mas se Julia ouvisse conselhos não seria Julia.

Sigo acompanhando o movimento das duas... Marília mostra a nova mobília, enquanto Julia se apressa em abrir as cortinhas e janelas.

+ Quanto a mim +

Já sinto saudades dela... sua melancolia, sua oração silenciosa, o zelo aos mortos, a bagunça arrumada... Mas anseio pela vitalidade da outra, o modo como ela põe fogo em minhas ventas, o ar renovado que ela bombeia em meus pulmões... E deixo. Deixo que me tome.

Ela me olha e sem a menor permissão, lentamente, vai trocando os móveis de lugar.

Parada, espero a transição, deixando que decidam qual delas será meu próximo eu e sigo sendo apenas a Camila de sempre, com um pouco das duas por todos os poros.